Cerebração

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Comediantes de todo o mundo: fujam.

Definitivamente o Brasil é um país sério. Por séculos fomos motivo de chacota no cenário internacional, mas agora, enfim, dá pra ver que o nosso país não é mais uma piada, vez que, se até mesmo o humor aqui é levado a sério, é evidente que ninguém tá pra brincadeira.

Até o início do século passado, o humor era infame e inofensivo. As pessoas gargalhavam com cenas pastelão, de gente escorregando e tomando tortada na cara. Com o passar do tempo, passou a ser necessário algo mais sofisticado, mais inteligente, ou mesmo mais agressivo para agradar o público, e com isso o nível do humor mudou. Não bastava só simular vídeo cacetadas; era necessário também pensar e elaborar, preferencialmente, algo original (regra que viu sua maior exceção no Zorra Total, que faz questão de repetir todas as piadas todas as semanas a ainda assim tem gente que consegue assistir mais de uma vez).

Dessa necessidade de originalidade e inovação, surgiu a variedade, e, junto com a variedade, vieram as piadas de mau gosto. Alguns as interpretam como ofensivas, agressivas, preconceituosas, mas ninguém é capaz de ver o lado técnico do humor e pensar que, assim como um músico pode ter sido infeliz ao compor uma canção ruim, ou o jornalista pode ter sido infeliz ao elaborar uma matéria mal escrita, o comediante pode ter sido infeliz ao fazer uma piada ruim. Não, a piada ruim é imperdoável. Humorista tem que ter 100% de aproveitamento, performance impecável. Assistimos atualmente a um retrocesso.

Grande exemplo disso são os recorrentes casos vistos na mídia em destaque entre as principais notícias de jornais. Tem gente morrendo, muita coisa acontecendo na política, crise financeira mundial, descobertas científicas, eventos relevantes no esporte, mas a manchete de destaque é "fulano faz piada de mau gosto".

O caso mais recente veio do Paraná, onde estudantes de Direito elaboraram um "manual do calouro" contendo "dicas" de cunho humorístico aos recém aprovados no vestibular, dentre as quais conselhos relativos à "vida amorosa" do estudante (http://g1.globo.com/parana/noticia/2012/03/manual-de-alunos-de-direito-no-pr-ensina-mulheres-obrigacao-de-dar.html / http://blogdotarso.com/2012/03/29/manual-do-calouro-editado-pelo-pdu-do-direito-da-ufpr-causa-polemica-nacional-par-repudia/). Muita gente achou o manual ofensivo, alegando que a mulher é colocada ali como objeto, submissa, que o manual incita ao estupro, e esse blá blá blá todo que essa gente sem discernimento pra entender uma piada costuma proferir. Ou talvez nem tenham achado ofensivo, mas preferiram se posicionar dessa forma, afinal, num país como o nosso nenhuma pessoa pública seria corajosa/louca o suficiente para assumir um discurso antidemagógico; é melhor se juntar aos pseudomoralistas do que ser taxado de nazista cruel sem alma.

Porém, a questão é: qual é o grande mal de uma ofensa? É ela ser proferida? Não. É ela ser ouvida. Porque, se ninguém ouvir, ninguém se sente ofendido, e ela se torna insignificante. Ela só ganha valor a partir do momento em que alguém a recebe. Este manual deve ter, em princípio, chegado às mãos de algumas centenas de mulheres da universidade. Daí, com o estardalhaço que foi feito, a notícia já chegou ao ouvido de milhares - pra não dizer milhões - que leram no noticiário e se revoltaram, e se entristeceram, e choraram, e que em breve vão fazer uma passeata, possivelmente uma "Marcha das Vadias 2012" na Avenida Paulista.

E aí, quem causou mais impacto? Aqueles que fizeram a piada, ou os revoltados que ajudaram a disseminar a informação pelo país inteiro?

O homem (ou, no caso, a mulher) devia entender o quão benéfico é ignorar aquilao que reprova, visto que reclamar, criticar, choramingar, só dá mais visibilidade àquilo que desprezam. Por exemplo, Eu não conheço nenhum fã do Restart (ou pelo menos ninguém que tenha coragem de admitir ser na minha frente), nem nunca ouvi nenhuma música. Então, se não fossem pelos odiadores falando mal e enchendo o saco, eu (e milhões de outras pessoas) teria sido poupado da existência dessa desgraça.

No entanto, por mais que todo mundo reclame, na verdade o que o povo quer ver é exatamente isso aí. Ciência? Não. Economia? Jamais. Cultura? Que isso? Esqueça isso tudo. O que vende é polêmica, briga, confusão, fofoca. Quanto mais sangue melhor (ainda que só metaforicamente).

E o pior é pensar que isso tudo deriva da simples incapacidade de distinguir uma piada de uma real ofensa. Não sei se são problemas meramente psicológicos da maioria das pessoas, ou se são danos físicos ao cérebro causados por males como exposição à intensa radiação solar, kuduro, big brother e música sertaneja. De qualquer forma, devem ser tomadas medidas no âmbito da saúde - ou da inteligência - pública.

Enfim, fato é comediante agora é profissão de risco. Se fizer uma piada sobre mulher, é machista; sobre gay, é homofóbico; sobre religião, é intolerante; sobre pobre, é discriminatório; sobre criança, é injusto, porque os pobres juvenis não podem se defender (e às vezes é até pedófilo); sobre loira, não é piada (é verdade); sobre sexo, são apelativas. Em suma: está proibido fazer piada sobre seres humanos.

Em Brasília, correm rumores a respeito de um projeto de lei prevendo que só serão permitidas piadas envolvendo minerais, animais irracionais (inclusive loiras e portugueses), vegetais (desde que não ofendam os vegetarianos) e alienígenas (desde que os aliens não sejam homossexuais, do sexo feminino, ou menores de idade de acordo com a legislação vigente em seus respectivos planetas).

Se a lei for aprovada, vários dos comediantes que hoje conhecemos viverão às margens da sociedade. Alguns já estão se organizando e agendando reuniões em salas abandonadas, onde antigamente funcionavam cassinos clandestinos, pra contar suas piadas fora do alcance da lei e da sociedade, zeladora oficial da moral e dos bons costumes. Aqueles que forem pegos serão submetidos a rigorosos julgamentos, os quais provavelmente terão prioridade sobre casos menos relevantes (que têm menos notoriedade nos jornais), como homicídios, estupros, estelionatos, corrupções, etc. É o fim de uma era. Executivos da Rede Globo e Tv Cultura estão estudando a possibilidade de produzir um remake de Castelo Rá-Tim-Bum, e A Praça É Nossa deve entrar na grade diária do SBT.

Humoristas de todo o país: calai-vos, os moralistas estão chegando.